ENTREGA E CONFIANÇA: A LIÇÃO DO
MESTRE NO SERMÃO DA MONTANHA
Ana Trajano
Aquele que é o mais
conhecido, com efeito é também o mais belo dos sermões do mestre Nazaré. Nele
está a síntese do pensamento daquele que
disse: "eu não vim para abolir as leis e os profetas; eu vim para aperfeiçoá-los."
(Mateus, 5-17) E, de fato, Jesus aperfeiçoa-os: aproxima Deus do homem, acaba com a figura de um Deus sisudo e
distante que apenas castiga, para nos fazer crer num Pai que é pura
misericórdia, numa relação de tanta intimidade e tanto amor que se assemelha à
nossa com o nosso pai terreno - só que em tudo perfeita. "Quem dentre vós
dará uma pedra a seu filho, se este lhe pedir pão? E se lhe pedir peixe
dar-lhe-á uma serpente? Se vós, pois, que sois maus, sabeis dar boas coisas a
vossos filhos, quanto mais o vosso Pai celeste dará boas coisas aos que lhe
pedirem." (Mateus, 7-9)
Todo o Sermão da
Montanha é perpassado por uma única realidade: a humanidade e Deus, isto é, o
Pai e seus filhos, e o cuidado do Pai para que seus filhos e filhas ajam de
forma correta para uma perfeita harmonia com o criador e a criação. Neste
sentido, podemos dizer que o Sermão da Montanha sustenta-se em três pilares:
humildade, entrega e confiança, que tornam possível nosso bom relacionamento
com o Pai. Que relacionamento - eu pergunto - pode crescer e dar frutos sem que
essa tríade esteja presente?
As bem-aventuranças expressam o cuidado desse Pai
misericordioso para com os seus filhos, de quem nada lhe passa despercebido,
nem a fome, nem a sede, nem as injustiças, nem as perseguições, nem uma lágrima
do nosso pranto. Se é assim, basta apenas que nos entreguemos e confiemos. O
Pai que está oculto, mas tudo vê, cuida de nós. Por que, então, a preocupação
com o que comer e o que vestir? O Pai que alimenta os pássaros e veste as
plantas não nos desamparará. (Mateus, 6-25 a 30).
Nesse entendimento do amor puro e incondicional, o Pai
confunde-se com os filhos, quer ser visto em cada um de nós. Seu amor nos é
dado com a mesma medida com que amamos os nossos irmãos; sua misericórdia nos é
concedida na mesma proporção que a concedemos ao outro, e seu perdão também.
Nossas ações são a medida da justiça
divina. Isto está bem claro na oração do Pai Nosso: "...Perdoai as nossas
ofensas, assim como perdoamos a quem nos tem ofendido..." Isto é Jesus,
ensina-nos a pedir, que as nossas ofensas sejam perdoadas na mesma proporção
com que perdoamos as dos nossos irmãos.
Para revelar esse Deus-amor, o Sermão da Montanha rompe
velhos paradigmas, conceitos, pensares das leis judaicas, como por exemplo o
"dente por dente, olho por olho", e "amarás o teu próximo e
poderás odiar teu inimigo." O mestre ensina que deve ser o contrário. De
fato, como mudar uma situação com outra idêntica?
Ao afirmar que não veio para abolir os mandamentos, mas
aperfeiçoá-los, Jesus nos mostra que eles são essenciais; porém a sabedoria não
está apenas em cumpri-los; o mais importante é a transformação interior que
elimine a prática dos erros em sua raiz. Dessa forma, não basta apenas não
adulterar, mas destruir em si o desejo que leva ao adultério.(...todo aquele
que lançar um olhar de cobiça para uma mulher, já adulterou com ela em seu
coração) (Mateus, 5-27).
Para Jesus, o mal está no desejo e a salvação em controlá-lo;
está, pois, no controle dos sentidos. Damos aqui como exemplo o episódio
bíblico de Adão e Eva. O que levou os nossos primeiros pais a serem expulsos do
paraíso senão o desejo de provar do proibido, senão sua atração pela matéria? O
mundo sensorial relaciona-se com o mundo da matéria, com todas as suas
tentações.
E prossegue Jesus: "Se teu olho direito é para ti causa
de queda, arranca-o e lança-o longe de ti, porque é preferível perder um só dos
teus membros a que todo o teu corpo seja lançado na geena." Mateus, 5-29)
Não é do olho que Jesus está falando;
mas do que o olho viu e desejou, do que se vê com cobiça, mesmo sabendo que o
cobiçado não é correto. É o desejo que deve ser lançado fora. Melhor controlar
os sentidos, do que perder o controle deles e cair em perdição. A geena bem
pode ser entendida como o fogo da consciência a destruir-nos por inteiro.
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